Um pouco de história não faz mal a ninguém.
Muito do que temos e vemos na nossa cidade é fruto do trabalho desse senhor.
Boa leitura
Mapas do primeiro plano de reforma municipal mostram uma Curitiba de grandes avenidas circulares, uma praça monumental e abrigo antiaéreo disfarçado de estacionamento
Diz-se a torto e direito que todo curitibano é meio urbanista. E ninguém até hoje conseguiu responder satisfatoriamente por que os nascidos nesta cidade se comportam como boleiros na hora em que o assunto são as canaletas dos antigos ônibus Expresso ou a necessidade – ou não – de mais um viaduto no antigo bairro do Capanema. Todo mundo tem opinião. E a defende na base do Atletiba.
Parte dessa explicação, diz-se, deve estar na década de 1970, quando o arquiteto e urbanista Jaime Lerner se tornou prefeito de Curitiba, projetando internacionalmente a capital paranaense. Mas seria pouco para justificar uma entranhada “cultura regional”. Outra hipótese, no senso comum, está no ano de 1941, quando desembarcou por aqui o renomado urbanista francês Alfred Hubert Donat Agache e sua equipe.Não se sabe ao certo se gostou do município frio, úmido, forrado de paralelepípedos habitado, como se dizia, por 140 mil e poucas almas. Mas é provável que tenham lhe avisado das enchentes contínuas do Rio Ivo, atazanando a vida de quem vivia e trabalhava no Centro; e do atraso das jardineiras, que levavam mal e má os passageiros à então distante região do Portão, endereço de 39 mil curitibanos, algo como 30% da população.
Três anos, 310 pranchas
Entre idas e vindas à França e ao Rio de Janeiro (onde ficava o escritório que o contratou, o Coimbra Bueno), Agache e os seus realizaram o plano que levou seu nome. Juntos, produziram em três anos nada menos do que cerca de 310 pranchas no formato A1 com detalhamentos sobre as ruas, rios e áreas verdes da cidade, tudo feito com os métodos mais rudimentares – medindo quarteirões e fazendo desenhos. Para leigos no assunto, os mapas do Agache podem não dizer muito, mas enchem os olhos.
Até o final do ano, o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba, o Ippuc, vai disponibilizar essas imagens para a população, tornando público, nos dizeres dos urbanistas, o projeto mais falado e menos conhecido da cidade. É curioso. Mas é verdade. “Imagino que os mapas do Agache sejam desconhecidos até dos arquitetos do Ippuc”, diz o economista Lourival Peyerl, supervisor de Informações da instituição e conhecido pelo empenho com que tenta fazer do Ippuc não só um espaço de projetos, mas de pesquisa histórica.
O próprio Lourival não esconde sua surpresa com o que descobriu ao olhar as pranchas uma a uma. Agache, por exemplo, imaginou garagens subterrâneas na Praça Tiradentes. É de causar espanto, mas na Curitiba de 400 automóveis da década de 1940 os congestionamentos já eram um problema, particularmente em torno do Marco Zero. A suspeita é de que a ideia tenha nascido como uma resposta a esse problema e também porque os franceses – ao contrário dos brasileiros – não admitem o uso de imensas áreas urbanas para estacionamentos. “Há muito o que investigar”, reforça Lourival, lembrando que por ora o material mais suscita perguntas do que respostas.
Curitiba inventada
A equipe de Agache propôs uma cidade circular e dividida em departamentos político, de habitação, educacionais e criativos. Confira particularidades:Avenidas
A organização das grandes avenidas em círculo, a partir da Tiradentes, culminava numa grande avenida em forma de parque linear. Custaria uma exorbitância, mas a proposta acabou por levar ao surgimento das avenidas Nossa Senhora da Luz, Arthur Bernardes e Wenceslau Brás.
Estranhezas
“O Agache desenhou até uma gangorra de parque com altíssima precisão. Impressiona pelo desenho. Só isso. Era visual”, diz o arquiteto e historiador Irão Dudeque. E não atendeu à maior demanda dos curitibanos da época – a industrialização da cidade. Nas pranchas do misterioso estrangeiro, a capital do estado permanecia a sede de uma região agrícola e zona exportadora de madeira.
Estacionamentos
Os estacionamentos subterrâneos da Tiradentes eram abrigos antiaéreos. Temia-se a entrada da Argentina na Guerra, seu alinhamento com os países do Eixo e a vulnerabilidade de Curitiba e do vale do Itajaí – zonas mais alemãs do Brasil – aos ataques dos países aliados.
Proposta viária acabou ficando bem diferente
De todas as propostas de Agache, a que deve suscitar mais indagações dos estudiosos é a implantação de grandes avenidas circulares, a partir do Centro, ao contrário do modelo que acabou sendo adotado nas décadas de 1960 e 1970, quando o Plano Diretor de 1965 passou a ser implantado. O modelo atual prevê grandes avenidas estruturais e concentração de infraestrutura. Em 1941 pensava-se diferente, facilitando – como explica um dos estudiosos do Agache, o arquiteto e historiador da PUCPR, Irã Taborda Dudeque – chegar do Boqueirão ao Portão sem passar pelo Centro.Parece piada, mas naquele tempo a circulação entre lugares tão próximos exigia muita paciência, como a imprensa da época comprova. Achaques dos jornalistas ao diretor do Departamento do Sistema de Trânsito e às empresas de ônibus eram notícia certa nos diários, o que leva a suspeitar que Agache tenha sido recebido como um anjo vingador. Havia menos de 50 linhas de ônibus.
Infelizmente, há ralos estudos e material sobre como o urbanista francês foi recebido na cidade. E se criou alguma expectativa. Talvez tenha sido pouco notado. Além do mais, raras pranchas do Plano Agache saíram do papel e viraram realidade. Pode-se citar as galerias para pedestres na altura da Rua XV com a Monsenhor Celso; a área reservada para o Centro Cívico; o Viaduto do Capanema ; Mercado Municipal, e, suspeita-se, a largura de ruas como a Silva Jardim e Sete de Setembro, Kennedy e Paraná, embora já se falasse em fazê-las amplas desde o final do século 19.
Para quem as vê, fica mesmo a impressão de que Agache sonhou fazer de Curitiba uma pequena Paris, com muitas árvores, grandes praças e espaços para pedestres. Nesse momento em que a capital está mais para Singapura do que para a capital francesa, olhar para o Plano Agache pode no mínimo apimentar as eternas discussões dos urbanistas da rua. Na hora do engarrafamento vai ter alguém para dizer: “Se tivessem cumprido o Agache, tudo seria diferente...”
Mudança fazia parte do projeto getulista
“O Plano Agache é superestimado. Nós o vemos com uma certa caipirice”, diz o arquiteto, urbanista e historiador Irã Taborda Dudeque, 43 anos, professor de História da Arquitetura na PUCPR. Ano passado, Dudeque lançou o livro Nenhum dia sem uma linha – uma história do urbanismo em Curitiba, com 432 páginas nas quais trata da era Agache em cinco capítulos.A análise muda o rumo da discussão que o trata como um assunto municipal, como se o prefeito tivesse tutano para mandar buscar na França um sujeito do naipe de monsieur Agache e pagar seus préstimos. “Estávamos na gestão Vargas. Os governadores eram chamados de interventores e os prefeitos não passavam de mestres de obras. O Plano Agache era um projeto da ditadura. Tem de desmunicipalizar essa discussão. Não era Curitiba, era o Estado Novo”, explica. Há outro aspecto pouco reforçado: outras cidades também estavam vivendo seus “agaches”.
O arquiteto trabalhou no Rio, Recife e Porto Alegre, entre outras. Pesquisas futuras podem mostrar o que havia de comum entre essas montanhas de mapas desenhados em uma dezena de prefeituras. Se foram realizados. Se deixaram alguma herança. Como a ditadura Vargas acabou em 1945, a história ficou por aí mesmo. Daí a nostalgia que suscita. “Tem semelhanças com Paris, é verdade, mas era comum na época projetos com essa proposta”, desmistifica Dudeque.
Um olhar mais desapaixonado não deixa mentir. No Agache curitibano, e provavelmente no de outros lugares, impera o estilo art déco sombrio, bem à moda Vargas, e a afirmação das ideologias da ditadura. Uma delas cabe dentro do grande Ginásio de Esportes, projetado para estar entre o Estádio Couto Pereira e a PUC. “Era no campo do São Januário, no Rio, que Vargas fazia seus discursos para a massa”, pontua. O ginásio curitibano teria o mesmo destino.
Fonte:
http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?tl=1&id=1172964&tit=A-viagem-de-monsieur-Agache
Nenhum comentário:
Postar um comentário