segunda-feira, 2 de abril de 2012

Edição 118 - O mercado negro das monografias

Pessoas
Lembro-me de uma piadinha ouvida nos corredores da universidade:
"Copiar de um é plágio, de três ou mais é pesquisa".
Seria cômico se não fosse trágico.
A comodidade em pagar por um trabalho pode sair caro.

Sem tempo ou incapazes de fazer uma pesquisa, alunos contratam terceiros para produzir o material. Embora comum, a prática é crime

Basta uma busca rápida na internet para encontrá-los. Lá estão centenas de sites criados com o intuito de vender trabalhos acadêmicos e que oferecem artigos, monografias de graduação e pós-graduação, dissertações de mestrado e até teses de doutorado.
Sempre com a garantia de serem produções "inéditas". E a oferta não se restringe ao mundo virtual. Nos murais das faculdades, o serviço aparece disfarçado entre anúncios de digitação ou orientação sobre normas técnicas de formatação.
Alunos que não querem se dedicar aos trabalhos de conclusão de curso (TCC) acabam seduzidos pelas propostas de venda. Um serviço 'rápido' - pois uma monografia completa chega a ficar pronta em um mês - e 'prático' - já que o contratante recebe em seu e-mail o trabalho completo, além de uma prévia do pré-projeto e os slides a serem apresentados na defesa do material.
Mas a 'facilidade' não custa apenas o valor cobrado pelos fabricantes de TCCs - de R$ 20 a R$ 60 por página, conforme o nível de escolaridade do estudante. Tal prática é criminosa e vai contra o princípio de que um trabalho acadêmico é o resultado do conhecimento absorvido e do aprendizado do estudante que conclui um período de estudos.
"Se tem tanta gente vendendo, tem muita gente comprando. Mas como uma pessoa de fora vai concluir algo sobre um curso que não frequentou? E como alguém cursa quatro ou cinco anos e não é capaz de concluir nada?", questiona a mestre em políticas educacionais Paulla Helena Silva de Carvalho, professora e coordenadora de Pedagogia da UniBrasil.


Prejuízos na educação
De acordo com pessoas que se propõem a fazer os trabalhos, entrevistadas pelo Vida na Universidade, estudantes de Direito e Pedagogia estão entre os que mais compram trabalhos prontos. Na visão de Paulla, o prejuízo acadêmico para o aluno é claro. “Comprar um trabalho pronto é um crime contra a própria formação. Se for um aluno de Pedagogia, então, é crime duas vezes, pois se trata da formação de um educador. Se um formando em Pedagogia faz isso, o que esperar dos alunos dele?”, afirma.
Para a professora de Direito da Universidade Federal do Paraná (UFPRClara Borges, coordenadora de monografias da graduação, é fora da faculdade que o aluno que forja o TCC vai pagar o maior preço pelo erro. “É uma questão ética, um aluno que faz isso está se enganando. Esse autoengano vai ter consequências na vida dele. Por ter deixado de aprender, outro aluno, que se dedicou ao trabalho, cresceu muito mais e vai ter mais facilidade no mercado de trabalho”, diz.
Estudante é quem leva a pior em compra
Embora seja uma conduta considerada moral e eticamente condenável, vender um trabalho acadêmico não é crime, já que a prática não está previsto no Código Penal. Por outro lado, o aluno que contrata esse tipo de serviço pode ser responsabilizado de várias formas.
Dentro da própria instituição de ensino, o aluno pode ser submetido a um processo administrativo. As consequências dependem das normas internas de cada universidade. De forma geral, o aluno pode ser processado e julgado. A pena é determinada por uma comissão montada para julgar o caso e pode chegar a uma advertência verbal, uma suspensão ou até a exclusão do estudante da instituição.
Crime
Caso o trabalho apresentado pelo aluno contenha trechos de outras pesquisas ou livros sem a devida citação, fica caracterizado o plágio. “Mesmo que não haja a intenção de se obter lucro, o simples plágio viola o direito autoral. Se o aluno contratou alguém e essa pessoa cometeu plágio, quem será responsabilizado é o aluno. Quem assina uma monografia como se fosse dele assume o risco”, diz Clara Borges, professora de Direito da UFPR. Pelo Código Penal, o plágio ou a violação dos direitos autorais podem ser investigados e a pena varia de três meses a quatro anos de prisão.
Se o autor do texto usado de forma indevida processar algum estudante, este não poderá alegar que o trabalho foi feito por outra pessoa. “O artigo 166 do Código Civil diz que quando o motivo comum é ilícito, não se considera o negócio entre as duas partes”, explica o doutor em Direito e advogado Sérgio Staut, professor de Teoria do Direito da UFPR.
Segundo ele, é comum empresas contratadas cometerem plágio, vendendo o mesmo trabalho para vários alunos. Assim, o estudante pode sofrer uma ação civil em que o verdadeiro autor do trabalho solicita uma indenização, uma retratação ou as duas coisas.
Staut explica que quem contrata outra pessoa para fazer um trabalho está praticando plágio, mesmo com o consentimento do autor. “A qualquer momento, o autor verdadeiro pode dizer que fez o trabalho. É direito moral o autor pleitear a paternidade da obra, mesmo que haja um contrato assinado em que abriu mão da autoria”, afirma.
Procura por trabalhos é grande
Do outro lado do balcão, “empresários do trabalho pronto” se sustentam apenas com a produção de monografias para universitários
A procura de estudantes por trabalhos prontos é tão grande que fabricantes de monografias se dedicam exclusivamente a esse serviço. Cinco pessoas procuradas pela reportagem revelaram que se encontram nessa situação. Duas delas mantêm anúncios explícitos em murais de universidades curitibanas. As outras criaram sites e prestam o serviço nacionalmente. Todos admitem ser antiético colocar o nome em um trabalho que não foi feito pela própria pessoa e tentam se isentar da culpa, dizendo que o aluno deve ter o trabalho como base, estudá-­lo e desenvolver as próprias ideias em cima do material. Eles reconhecem que essa teoria não funciona na prática.
Um deles conta que mora em uma cidade pequena e não consegue emprego, o que o motivou a fabricar monografias. “Comecei digitando e formatando trabalhos. Depois, as pessoas começaram a perguntar se eu fazia [monografias], pois estavam sem tempo. Não sou uma empresa. Tenho nome próprio, telefone fixo. De forma alguma estou prejudicando os alunos, pois eles vão ter que ler, mostrar para o orientador e apresentar na banca”, diz.
Milhares
A equipe de um mestre em Educação já concluiu mais de 8 mil monografias. Ele conta que começou a formatar trabalhos nas normas técnicas em 2003 e afirma que, se o seu trabalho existe, é por uma falha no sistema educacional brasileiro. “Estamos em pleno século 21 e as universidades veem os alunos como clientes. Hoje qualquer um pode lecionar, mesmo sem o menor conhecimento científico. Se está acontecendo algum crime, quem está cometendo o crime é o próprio governo ao não fornecer a educação adequada, correspondente aos impostos que pagamos”, diz.
Formada em Pedagogia e com mestrado em Educação, uma mulher que trabalha sozinha em Curitiba diz que está há 17 anos na área e já fez 2,2 mil trabalhos. Cobra R$ 500 por monografia. O valor pode chegar a R$ 600 se o estudante também quiser um pré­projeto para entregar ao professor durante as orientações. Se o aluno não souber que tema escolher, ela sugere alguns, consultando seu banco de produções.
Importância da pesquisa deve ser assimilada
As aulas de Metodologia são obrigatórias para quem vai fazer um trabalho de conclusão de curso (TCC), mas a disciplina está longe de ser a favorita dos alunos. Eles acham a matéria chata e costumam não ter paciência para aprender as regras do universo científico. “Eles devem entender que as normas técnicas possibilitam a comunicação com o mundo. A prática de colocar uma citação com o sobrenome e nome do autor é usada no mundo inteiro”, diz o doutor em Educação Joe Garcia.
Para a mestre em Políticas Educacionais Paulla Helena Silva de Carvalho, apesar de um trabalho acadêmico ser complexo, estudantes conseguem fazê­lo bem se organizarem um cronograma e não deixarem a produção para a última hora. “O prazo é de um ano a um ano e meio. Vão ser usadas as férias, os fins de semana, mas é necessário para que o estudante conclua o curso de forma significativa,” considera.
A advogada Clara Borges lembra que um bom trabalho final e uma defesa eficiente influenciam a forma como colegas e professores veem o aluno. Por outro lado, quem é pego por plágio ou apresentando um trabalho que não é dele ficará “marcado” perante a comunidade acadêmica, além de enfrentar uma segunda banca ainda mais rígida.
Definição
O que é plágio?
É se apropriar daquilo que foi exteriorizado por outra pessoa. Mesmo que seja usada uma frase, se não for citado o autor, é plágio. Em trabalhos acadêmicos, também se constitui plágio a cópia de imagens, como tabelas, quadros e gráficos, sem a indicação do autor. Quem comete plágio pode ser condenado a pagar uma indenização e/ou fazer uma retratação ao verdadeiro autor do texto. Embora uma ação penal não seja usual, a detenção de três meses a quatro anos também está prevista na esfera penal.
Orientação
Professores devem ensinar normas técnicas
O hábito de universitários de copiar dizeres de outros autores geralmente nasce na escola, onde alunos costumam transcrever trechos encontrados em enciclopédias e na internet. Cabe aos professores ensinar a maneira correta de se fazer uma pesquisa acadêmica, com suas citações, referências e normas técnicas.
Mesmo em doutorados encontra-se gente que ainda não sabe como formatar a própria tese, segundo o doutor em Educação Joe Garcia, professor do mestrado em Educação da Universidade Tuiuti do Paraná (UTP). "Somos formadores. Quando pegamos um aluno no início do ano letivo é comum eles terem pouco conhecimento, citarem autores de forma inadequada. Mas isso se resolve, a universidade tem de oferecer sempre uma referência, um livro de normas técnicas e ter a certeza de que os alunos não estão sem a devida orientação", diz Garcia.
Acompanhamento
Se o professor acompanha o desenvolvimento do projeto, além de esclarecer as dúvidas do estudante, será capaz de perceber se o trabalho tem realmente a autoria do aluno. "Com as orientações, o professor sabe se o aluno está fazendo o trabalho ou não. É responsabilidade da universidade também dar condições para que o professor possa fazer essa orientação, isso envolve tempo fora de sala de aula e o pagamento de horas extras", conta Paula Helena Silva de Carvalho, professora e coordenadora de Pedagogia da Unibrasil.
Garcia afirma que o plágio acadêmico pode ser um problema gerado pela falta de domínio da linguagem nas normas técnicas. "Antes de culpar o aluno ou criminalizá-lo, os educadores têm de saber se estão dando esclarecimento e ensinando esse aluno a utilizar esta linguagem", diz.
Créditos

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